Por Joel Reis
Antônio Augusto (Feitosa ou Correia)[1], conhecido como Bagaço, natural de Olho d’Água,
município de Piranhas – AL (atual Olho d’Água do Casado – AL)[2], era filho de Zé Bagaço, no qual herdou o apelido.
Quando tinha de 11 para 12 anos de idade, sua mãe, já
viúva, pediu-lhe que fosse buscar legumes na roça. No caminho de volta, um
rapaz o perguntou:
-
Donde tu vem fedelho?
O menino se zangou com tratamento e respondeu:
-
O qui você qué sabê? É da sua conta?
O rapaz também se irritou e lhe deu umas tapas. Antônio
Bagaço jurou vingança:
-
Isso num vai ficá assim, você vai me pagá.
Ao chegar em casa se armou com uma espingarda lazarina e
disse:
-
Mãe, vô ali.
Saiu a procura do Rapaz, mas só o achou por volta das 19h
em uma fazenda. Estava chovendo muito, aproximou-se sorrateiramente e atirou no
rapaz. Certo que o tinha matado, fugiu e foi dormir em uma casa de farinha na
Fazenda Olho d’Água, do coronel Zé Rodrigues. Pela manhã um vaqueiro o encontra
deitado e todo molhado, o acorda e faz diversas perguntas, o menino acaba
falando do ocorrido. O vaqueiro o leva até o Coronel e conta a história.
-
Menino, vou te dar uma pisa.
Aperreado, o menino revidou:
-
Coroné, pelo leite que o sinhô mamou, não dê n’eu. É mió me matá qui estou
satisfeito.
Então, o coronel para saber se de fato ele tinha coragem,
mandou o vaqueiro pegar uma enxada e uma pá, entregou os instrumentos para o
menino:
-
Toma, cave sua cova.
Quando o menino já havia cavado uns seis palmos de
fundura:
-
Está bom, agora se prepare prá morrer.
-
Tô pronto prá morrê, coroné! Agora peço que diga a minha mãe que morri como um
homi e não como covarde!
-
Olha que infeliz, não vou te matar, não. Mas na próxima te mato.
Ao chegar em casa, avisou à sua mãe que ia embora para
não ser preso. Sem demora, saiu pelo mundo... acabou chegando em Espírito Santo
– PE (atual Inajá – PE)[3],
onde foi acolhido pelo velho Terto Cordeiro (Tertulino Cordeiro - da família Marcos)[4]. Por volta de 1921, surgiram questões de intriga entre
os Marcos e os Quirinos. Em vista disso, já com dezoito para dezenove anos de
idade, os filhos de Antônio Quirino tentaram espancá-lo, na luta saiu ferido na
cabeça. Depois disso, chegou em casa, disse ao velho Terto:
-
Tio! (Não era, mas assim o chamava),
vô m’imbora procurar os cangaceiros.
Meia-Noite |
A princípio, Bagaço entrou no grupo de Antônio Porcino.
Logo, conquistou notoriedade. Posteriormente, integrou-se ao grupo de Lampião,
no qual foi denominado de Meia-Noite por ser de cor parda. O chefe cangaceiro
nutria verdadeira admiração, em virtude que, Meia-Noite possuía extrema
coragem, tendo triunfado ao seu lado em diversas ações[5].
Em agosto de 1924, Meia-Noite discutiu de maneira severa
com os irmãos de Lampião; Vassoura (Livino) e Esperança (Antônio). Foram
acusados de terem roubado seus Rs. 9:000$000 (9 contos de réis = 9.000
mil-réis)[6]. Lampião interveio na
discussão, indenizando o valor que ele alegava ter sido subtraído por seus
irmãos quando estava dormindo. Questão resolvida, o chefe cangaceiro o expulsa
do bando e exige a entrega do armamento. Sem demora, Meia-Noite responde:
-
Si no meio desta cabroêra tem homi, venha tomá.
Os cangaceiros presentes preferiram não tentar. Sem
demora, Meia-Noite foi andando para trás com os olhos fixos nos velhos
companheiros, em pouco tempo desaparece na caatinga.
No dia 18 de agosto de 1924[7], poucos dias do ocorrido, Meia-Noite foi visto
atravessando o sítio Bandeira em direção ao sítio Tataíra[8], na companhia apenas de uma mulher[9]. Um olheiro avisou o coronel Zé Pereira (José Pereira
Lima) que o famanaz cangaceiro se encontrava no sítio Tataíra. Com o
comunicado, tratou imediatamente de organizar uma diligência, a fim de apanhar
o bandoleiro.
Por volta das 21 horas, foi formado um grupo em Princesa –
PB (atual Princesa Isabel – PB)[10], composto de quatro soldados da Força Pública e oito
civis, marcharam 4 horas até o sítio Tataíra. Já era madrugada quando o cerco
começa em duas casas, mas não o encontraram, batem na porta da terceira casa[11] (o bandoleiro estava em plena lua de mel):
-
Quem é?
-
É os meninos do coroné...
-
Ah!... Eu não abro a minha porta prá descunhecidos... Zulmira não qué qui eu
abra a porta. Ela tem medo...
-
Venha dar um bocado d’água a gente...
-
Num tem água, não.
-
Que diabo de véia da fala fina...
Proferidas essas palavras, atento a conversa e com
intuito de ganhar tempo para se equipar, o sicário enfurecido vocifera:
-
Qui desaforo de seu Zé Pereira, mandá incomodá os homi essa hora, apôis vocês
tão pegado cum Meia-Noite, nêgo nascido em meio de desgraça.
Sem demora, inicia o fogo contra a tropa... após uma hora
de tiroteio e ofensas de ambas as partes, o cangaceiro brada:
-
Canaias, o qui vocês quére, chega já. Cabra de barro num aguenta tempo.
-
Vem aqui fóra, nêgo ladrão!
-
Ladrão, é vocês, qui quére robá a roupa de minha muié, magote de peste!
Depois
de algum tempo, o cangaceiro pede para o grupo cessar-fogo e que permitisse a
saída de Zulmira, sua mulher, mas o pedido foi ignorado e o tiroteio se
intensificou até amanhecer, apesar disso, o bandido volta a zombar:
-
Rapaziada, vocês são de barro? Esse mangote de peste tá cum fome... Entre,
venha tomá um cafezinho cum queijo de mantêga...
-
O café qui nós qué é ti passá nas corda.
Em seguida, ouve-se uma voz cantada de dentro da casa
sitiada:
"Si
quizé sabê meu nome
Faça
favô preguntá
Eu
me chamo é Meia-Noite
Canário
de bom lugá
Eu
sou um carnêro fino
Do
colo de minha Iaiá!
É
Lampe, é Lampe, é Lampe
O
Virgolino é Lampeão
É
o dedo amolegando
Embolano
pelo chão!”
No alvorecer, próximo ao local do tiroteio, as Forças comandadas
pelo tenente Manoel Benício, tenente Francisco de Oliveira e o Sargento
Clementino Furtado (Quelé) foram alertadas. Logo, reuniram o efetivo de 84
homens e rumaram para o campo de luta. Ao ouvir o clangor da corneta, berra
furioso:
-
Sustenta a ispingarda, canaias pôde, qui nêgo vai simbora.
Debaixo de uma saraivada de balas feriu alguns homens e
também foi ferido[12],
ainda assim, conseguiu escapar. A Força seguiu o rastro de sangue, porém o
perdeu de vista.
Passaram-se 6 dias, o Comissário de Polícia de Patos, Manoel
Lopes Diniz e 4 companheiros encontraram Meia-Noite gravemente ferido. Mesmo
assim, resistiu à prisão, disparando dois tiros de parabellum contra o grupo que, rapidamente revidou, e acabou
matando o temido bandoleiro no auge dos seus 22 anos.
NOTAS:
[1] Nomes - Antônio Augusto Feitosa (ALMEIDA, 1926); Antônio
Augusto Correia (MELLO, 2013); José Tiago (LIRA, 1990).
[2] Olho d’Água - povoado, subordinado ao município de Piranhas,
posteriormente Distrito de Olho d’Água do Casado, pela Lei Estadual nº 1473, de
17 de setembro de 1949.
[3] Espírito Santo - atual Inajá – PE.
[4] Terto Cordeiro - Tertulino Cordeiro era da família Marcos.
[5] Diversas ações - As mais importantes foram: O assalto a residência
de Joana Vieira de Siqueira Torres, a Baronesa de Água Branca (26.06.1922) e
o ataque à cidade de Sousa - PB (27.07.1924).
[6] Rs 9:000$000 (9 contos de réis ou 9.000 mil-réis) = 9.000.000 (9
milhões de réis) - Conversão para Real = R$ 250.000 (Duzentos e cinquenta mil
reais - em 2017)
[7] Érico Almeida (1926), afirma que foi no final do mês de setembro de
1924.
[8] Sítio Tataíra - nos limites do município de Princesa, PB com o de
Triunfo, PE. (ALMEIDA, 1926).
[9] Mulher - Alexandrina Vieira (Zumira). (DANTAS, 2018).
[10] Princesa, PB - atual Princesa Isabel, PB.
[11] Casa - Alguns autores/pesquisadores afirmam que era uma casa de
farinha, outros que era uma casa velha.
[12] Ferido - em uma das pernas.
FONTES:
ALMEIDA, Érico de. Lampião: sua
história. João Pessoa: Editora Universitária, 1996. [Fac-similar à edição de1926].
DANTAS, Sérgio Augusto de Souza.
Lampião na Paraíba: notas para a história. Natal, RN: Polyprint, 2018.
LIRA, João Gomes de. Lampião: memórias de um soldado de volante. Recife, PE: FUNDARPE, 1990.
MACIEL, Frederico Bezerra. Lampião, seu tempo e seu reinado: II. A
guerra de guerrilhas (fase de vinditas). Petrópolis, RJ: Vozes, 1985.
MELLO, Frederico
Pernambucano de. Guerreiros do Sol: violência e banditismo no
nordeste do Brasil. 5. ed. São Paulo, SP: A Girafa. 2011.
Gostei muito, gosto de coisas verdadeiras do jeito de falar das historias dos coronéis e lampião
ResponderExcluirMuito boa a História do meia noite, n conhecia a história dele mas já vi o bloco do meia noite que sai de Pernambuco Olinda nós tempo que vivi por lá...
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