ACABOU-SE GATO


ACABOU-SE GATO
Por Joel Reis



Em 29 de outubro de 1936, após o ataque a cidade de Piranhas – AL, Gato foi levado ferido em uma rede para Fazenda Mogiana. Quando anoiteceu, os cangaceiros se certificaram de que não tinha mais perigo.

Gato: Oh! Minha comadre, quanta dor eu tô passando!
Dadá: Eu sei Gato! Não é pra menos.
Gato: Oh! Minha comadre, minha neguinha como está? Quem sabe.... Talvez tenha morrido...
Gato: Cadê Maria?
Gato: Maria faz um cigarrinho bem fininho pra mim.

Maria de Pancada aprontava o cigarro, ele puxava aquelas tragadas.

Passaram-se três dias, Gato, não comia, além disso, tudo que bebia vomitava.

Gato: Todo mundo foi embora?
Dadá: Ninguém lhe deixa, Gato. Tá todo mundo aqui. Nós não lhe deixamos no meio de todo perigo, a gente vai deixar você aqui?
Gato: Ah! Eu acredito em você comadre.
Gato: Chame corisco aí.
Corisco: O que é Gato?
Gato: Eu quero conversar um pouco com você. Fizemos essa viagem e não arranjamos nada.
Corisco: Se acalme, você tem que arranjar o perdão de Deus. Vamos rezar.

Quando um cangaceiro era gravemente ferido, Corisco colocava os outros cangaceiros para rezar. Na hora da oração, ninguém era desprezado.

Corisco: Compadre Gato, vamos rezar. Vamos se recomendar a Deus, pois o senhor já sabe qual é o seu caso.
Gato: Eu sei que vou morrer, Corisco. Tomaram minha mulher. Como não está minha pretinha?... Quanta dor!

Gato olhava para o céu e dava risada.

Corisco puxou uma forte oração.

Corisco: Perdoa, Senhor, o inimigo que me atingiu.
Gato: O quê? Se eu pegasse, aí sim, ele ia ver o perdão como era. Dava um tiro! Pronto, perdoava.
Gato: Ele me dava a Inacinha e eu o matava.
Corisco: Gato, se arrepende das desgraças que praticou?
Gato: Num me arrendo de nada.
Corisco: Gato perdoa seus inimigos?
Gato: Que perdoo o quê, Corisco! Só quero pegá quem me fez isso.

Nos lampejos de lucidez do moribundo, Corisco chegava-se a ele.

Corisco: Perdoa seus inimigos, se arrepende?
Gato: Perdão a quem me atingiu, mas porque eu não peguei. Se eu pegar, já sabe.

Depois de muito tempo quase inaudível disse:
- Perdoo.

Maria de Pancada: Gato está morrendo! Gato está morrendo!

Pendeu a cabeça sobre o ombro esquerdo e morreu. Em sua face ficou um sorriso.

Acenderam velas, todos rezaram em volta, logo após, o morto foi envolto nas cobertas. No meio de umas moitas enormes de macambira prepararam uma cova bem funda, em seguida, o corpo foi levado para cova. Acabou-se Gato.


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Antônio Amaury Corrêa de. Gente de Lampião: Dadá e Corisco. 3. ed. Salvador: Assembleia Legislativa da Bahia, 2011. 

DIAS, José Umberto. Dadá. Salvador: EGBA/Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1988.












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